A questão da boa-fé atinge mais propriamente à interpretação dos contratos, mas também não se desvincula do exame de função social, ou seja, a interpretação liga-se de forma inevitável à aplicação da norma (conjunto de regras).
Em resumo, pode-se afirmar que o princípio da boa-fé traz o dever das partes de agirem de forma correta, eticamente aceita, antes, durante e depois do contrato ou situação firmada, isso porque, mesmo após o cumprimento de um contrato ou estabelecido, podem sobrar efeitos residuais (ao final).
Na análise do princípio de boa-fé dos contratantes, por exemplo, devem ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento histórico e econômico.
Para Sílvio Venosa, em sua obra Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, o princípio da boa-fé resume-se ao “o elemento subjetivo em cada contrato, ao lado da conduta objetiva das partes. A parte contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato, antes mesmo de sua elaboração”.
O Doutrinador diz ainda que “a vontade de descumprir pode ter surgido após o contrato. Pode ocorrer que a parte, posteriormente, veja-se em situação de impossibilidade de cumprimento”.
Assim, cabe ao Juiz examinar em cada caso se houve realmente o descumprimento decorrente de boa ou má-fé, uma vez que existem ainda casos de fortuito e força maior, que são examinados previamente no raciocínio do julgador.
A presente decisão colacionada abaixo, da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça Gaúcho, traz um exemplo claro de cabimento do princípio da boa-fé. Veja-se:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. 1. AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. (…) ATRASO NA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. Muito embora o ilícito contratual não enseje, de regra e por si só, a concessão de indenização por danos morais, em tendo sido desarrazoado o prazo de entrega do imóvel no presente caso (mais de seis meses após o período de tolerância), tenho como pacíficos os transtornos causados aos autores, devendo, portanto, serem reparados. 5. FIXAÇÃO DE MULTA MORATÓRIA EM FACE DA DEMANDADA. POSSIBILIDADE. Cabível a inversão de multa moratória em favor do promitente comprador, nos casos em que há estipulação em favor da vendedora. Medida que busca impedir o desequilíbrio contratual e estimular o adimplemento. Princípio da boa-fé contratual. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. (Apelação Cível Nº 70065632721, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 24/09/2015).
Desta forma, o princípio da boa-fé é o instituto que opera ativamente nas relações de consumo, normalmente no exame das cláusulas abusivas, com base no artigo 422 do Código Civil, onde estabelece aplicabilidade a todos os consumidores.
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