Por Ana Beatriz Saraiva de Oliveira. As ocupações em terras públicas sempre foram questões de discussões judiciais. Durante muito tempo havia o posicionamento firmado de que não poderia consentir posse em terra pública para particulares. A própria Constituição Federal veda expressamente a usucapião em terras pertencentes ao Estado.
O Código civil, artigo 1.196, traz a definição de possuidor: “ considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Considera-se, portanto, como possuidor aquele que se porta como dono, que possua o poder de gozar, reaver, usar ou dispor do bem, por serem eles poderes inerentes à propriedade (Código Civil 1228).
Para tanto, tratando-se de bem público, o ocupante não possuirá quaisquer desses poderes acima citados, especialmente se ocupar o bem sem qualquer consentimento do Poder Público.
Ponderando essas premissas, discute-se a posse de imóvel localizado em terra pública quando não há a definição da destinação especifica da posse.
Em recente entendimento do STJ, ao julgar o Recurso Especial 1296964, que tratou sobre ação de reintegração de posse em que dois particulares questionaram um imóvel rural pertencente ao Distrito Federal. O autor alegara posse no imóvel por 20 anos, porém devido a uma invasão e parcelamento irregular de terras teve metade da área ocupada pelo réu.
O Distrito Federal, por intermédio da intervenção anômala (Lei federal n. 9469/97), manifestando a supremacia do interesse público sobre o privado, alegou parcelamento irregular do solo e sobretudo a impossibilidade do particular ter direito a posse sobre imóvel de natureza pública, possuindo na ação em questão, somente mera detenção do bem,
A Quarta Turma do STJ entendeu ser permitido o pedido judicial da proteção possessória. Não significando a retirada do imóvel do Estado, mas tão somente o reconhecimento da posse por um particular. Segundo o relator da ação, o ministro Luis Felipe Salomão, “considera-se possuidor aquele que tem de fato o exercício, de forma plena ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.” , bem como previsto no Código Civil, artigo 1196.
Segue o entendimento:
Em suma, não haverá alteração na titularidade dominial do bem, que continuará nas mãos do Estado, mantendo sua natureza pública. No entanto, na contenda entre particulares, reconhecida no meio social como a manifestação e exteriorização do poder fático e duradouro sobre a coisa, a relação será eminentemente possessória e, por conseguinte, nos bens do patrimônio disponível do Estado, despojados de destinação pública, será plenamente possível — ainda que de forma precária —, a proteção possessória pelos ocupantes da terra pública que venham a lhe dar função social
Mas o caso em questão abriria precedente para as ações de invasões de terras públicas? O STJ tem entendimento no sentido de que todo aquele que invade terra pública possui mera detenção do imóvel, e que, portanto, não pode almejar proteção possessória, quiçá indenização por benfeitorias realizadas.
Cabe salientar que o relator do Resp, ressaltou a mudança de posicionamento do STJ, pois a depender da lide em questão é possível sim a ação possessória em terras públicas por particulares diante da nova realidade social. Pois, apesar de pertencerem ao Estado, encontram-se desafetados, sem destinação específica, sendo, portanto utilizado pelo particular, cumprindo-se assim a função social da propriedade, a redução da desigualdade social e o mais importante, a dignidade da pessoa humana.
Fonte: REsp 1296964
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