Ao se falar de contratos de locação muito se discute sobre as hipóteses de mora do inquilino, ou seja, quando poderá ocorrer o atraso no cumprimento das obrigações por parte do locatário (inquilino). No entanto, pouco se discute se seria possível o próprio locador entrar em mora, visto ser ele o proprietário do imóvel.
A celebração de um contrato se caracteriza como a instrumentalização do pacto de direitos e obrigações mútuos entre as partes, tanto credor quanto devedor, de modo que ambos devem agir em cooperação para seu bom e fiel cumprimento, a fim de que o pactuado não se torne demasiadamente oneroso a qualquer das partes. Assim também ocorre com o contrato de locação. Mas, diante disso, há possibilidade de o locador estar em mora?
Imagine a situação hipotética: o contrato de locação é firmado entre proprietário e inquilino, constando apenas o valor mensal pago a título de aluguel, sem mencionar qual seria o lugar do pagamento. Nos primeiros meses, o locador se dirige até o imóvel locado para receber o pagamento do inquilino, que o faz pontualmente. No entanto, passado algum tempo, o proprietário deixa de comparecer ao imóvel para receber o aluguel. Teria o inquilino a obrigação de procurar meios alternativos para fazer esse pagamento? Caso não localize o proprietário, o inquilino estará em mora?
Ocorre que, exceto estabelecido de forma diversa no contrato, o local de pagamento da locação é o próprio imóvel locado. Ou seja, no silêncio do contrato, o pagamento deverá ocorrer no imóvel objeto da locação, sendo dever do locador dirigir-se ao local na data estipulada pelas partes para receber o respectivo valor devido.
Nestes casos, se o locador assim não o fizer, não será o inquilino considerado em mora, mas sim o próprio locador, com a chamada “mora creditoris”.
A “mora creditoris” é evidenciada no momento em que, sem justa causa, o credor se recusa a buscar ou a receber o pagamento, sendo as consequências desta conduta previstas no art. 400 do Código Civil.
Código Civil. Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.
Diante disso, o inquilino possui como meio de se liberar da obrigação de pagar a propositura de “ação de consignação em pagamento” em face do proprietário do imóvel. Além disso, pela relação de confiança muitas vezes existente entre locatário e imobiliárias, tem se admitido que esta seja acionada no polo passivo da demanda, considerando a boa-fé do locatário em realizar o pagamento e liberar-se da dívida.
Nesta ação, o inquilino afirma que seu direito e dever de pagar o valor avençado na data estipulada, bem como o impedimento causado pelo locador do imóvel, de modo a dificultar a realização da entrega do valor devido.
Diante do interesse do inquilino em pagar, bem como do desinteresse do locador em receber, o primeiro deposita em juízo o valor devido, sendo autorizado pelo Código de Processo Civil o complemento desse depósito quando o locador demonstrá-lo ser insuficiente. Nestes casos, o locador poderá ainda levantar o valor incontroverso, restando apenas a discussão sobre a suposta insuficiência.
Ainda, para que a consignação tenha força de pagamento, o locatário deverá respeitar todos os requisitos que tornariam o pagamento espontâneo eficaz – pessoas, tempo, objeto e modo. Assim, compreende-se que o valor depositado deve ser monetariamente atualizado.
Ressalta-se que a liberação do inquilino apenas se dará mediante o depósito do valor correto devido, o que poderá ser discutido na ação de consignação. Já a mora do proprietário apenas será extinta quando o credor se oferecer a receber o pagamento e se sujeitar aos efeitos da mora dispostos no art. 400, II do Código Civil.
Assim, recomenda-se a orientação e elaboração técnica do contrato de locação como meio de prevenção de riscos. Porém, caso o contrato já esteja em vigor, é fundamental que as partes tenham conhecimento de seus direitos e deveres na relação contratual, bem como dos meios de solução de eventual litígio.
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