Por Ana Beatriz Saraiva de Oliveira. A morte de um ente querido traz a dor da ausência, mas também pode vir acompanhada de muita dor de cabeça quando se trata de bens deixado de herança a terceiros. Como se não bastasse a dor da ausência, ainda devemos nos preocupar com os bens deixados pelo falecido, e quando esse ente era seu marido e ele doou o único imóvel para terceiros e não lhe deixou nada?
Questão semelhante aconteceu em São Paulo, na qual a viúva habitava num imóvel aonde residia com o falecido marido. Para a sua surpresa, esse imóvel havia sido doado aos filhos do primeiro casamento.
O caso chegou ao STJ, julgado recentemente pela Quarta Turma, que negou a uma viúva o direito de residir no imóvel aonde vivia com seu falecido marido. A questão veio a tona devido a uma doação, feito pelo marido, aos filhos do primeiro casamento, no entanto foi estipulado uma cláusula de usufruto a viúva, na qual permaneceu morando até o falecimento do marido.
Os ministros negaram a viúva o direito de habitar no imóvel devido a cláusula de usufruto. Mas afinal, o que é USUFRUTO?
Usufruto é o direito (de gozo ou fruição) atribuído durante certo lapso de tempo a uma pessoa, que a permite ocupar a coisa (móvel ou imóvel) alheia e a retirar seus frutos e utilidades. Previsto no artigo 1394 do Código Civil, na qual descreve: O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.
A viúva do processo citado recorreu ao STJ para continuar no imóvel. A tese utilizada foi de que o bem pertencia ao patrimônio do falecido, sendo assim estaria justificado seu direito, e também ao dos filhos,em comum, de residir no imóvel.
Já na quarta turma, a discussão recaiu sobre a possibilidade de reconhecer direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente em imóvel que fora doado pelo falecido aos filhos, em antecipação de herança, com reserva de usufruto.
Para o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, o processo tem peculiaridades que impedem o exercício do direito de habitação da viúva.
No processo de origem restou claro que a viúva era usufrutuária do bem, e não do real proprietário, já que a doação havia sido concluída antes do segundo casamento. Para o ministro, é possível contestar o entendimento do TJSP, aonde tramitou o processo, já que no caso em questão, a doação configura como antecipação de herança, sendo, passível de revisão futura.
“Aquela simples doação de outrora, com cláusula de usufruto, não afastou, por si só, o direito real de habitação, uma vez que existem diversas situações em que o bem poderá ser devolvido ao acervo, retornando ao patrimônio do cônjuge falecido para fins de partilha e permitindo, em tese, eventual arguição de direito real de habitação ao cônjuge”, destacou Luis Felipe Salomão.
Cabe lembrar que a doação de bens dos pais a um descendente, não depende do consentimento dos demais. Porém, a doação realizada excluindo um ou mais herdeiros, configura-se adiantamento de legítima (artigo 544 do Código Civil). Além do mais, o artigo 2.006 do Código Civil, afirma que “A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade.”
Mesmo diante da ressalva, o Relator decidiu pela improcedência do pedido da viúva, pois a doação não foi ilegal,
“a doação feita pelo ascendente ao herdeiro necessário que, sem exceder, saia de sua metade disponível, não pode ser tida como adiantamento da legítima. Não há que se falar em retorno do imóvel ao patrimônio do falecido e, por conseguinte, sem respaldo qualquer alegação de eventual direito de habitação”, afirma o Ministro;
Ademais, os filhos do segundo casamento e a viúva receberam outros bens na partilha, inclusive imóveis, o que tornou inválida a tese de que havia apenas uma moradia para a família ou que foram prejudicados na divisão de bens.
processo(s): REsp 1315606
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