Imagine que vários indivíduos desejem adquirir determinada propriedade imobiliária, contudo, nenhum deles possui individualmente recursos para tanto. Para solucionar o problema, todos os indivíduos se reúnem, somam seus recursos e adquirem em conjunto o imóvel pretendido. E para evitar conflitos quanto à forma uso do bem, todos firmam um pacto fixando a distribuição temporal em que cada um dos coproprietários poderá fazer uso da propriedade. Referida realidade constitui o denominado “time-sharing” ou “multipropriedade”.
Surgido na década de 60 na Europa e de 70 nos Estados Unidos, o time-sharing já é bastante usual e consagrado nos ordenamentos estrangeiros mas ainda é novidade no solo brasileiro e embora já seja praticado no dia-dia ainda encontra-se pendente de regulamentação jurídica.
Ao promover o fracionamento do uso e aproveitamento econômico do bem entre os co-proprietários em unidades fixas de tempo, o time-sharing inova e gera uma série de questões a serem pacificadas.
Teria o “novo instituto” natureza jurídica de direito real ou obrigacional? Ainda, aos que o entendem pela natureza de direito real, seria o time-sharing uma nova espécie de direito real ou apenas uma nova forma de exploração do direito real de propriedade? Todas essas perguntas estão em pauta e ainda não restam pacificadas.
Os que o vinculam ao direito obrigacional acreditam que o time-sharing nada mais é que uma convenção entre os coproprietários estipulando como se dará o uso do bem, logo, é tão somente um acordo de vontades. Já os que o vinculam ao direito real – e nesse momento cita-se o STJ, no julgado do REsp 1546165 – se apegam ao fato de que o time-sharing apresenta características próprias de direito real como: aderência ao bem imóvel (sequela), assim como o fato do co-proprietário ter pleno direito ao uso, gozo e disposição da sua fração ideal sobre o bem (sendo que neste caso a fração ideal é referenciada por medida temporal).
Sobre o impasse de ser uma espécie autônoma de direito real ou ser apenas uma nova modalidade de utilização do direito real de propriedade, ainda não há posição majoritária definida.
O fato é que apesar da ausência de regulamentação jurídica e da existência de tantas dúvidas e controvérsias, o time-sharing privilegia a função social da propriedade e é uma alternativa de investimento econômico extremamente atraente à sociedade, fatos que justificam sua crescente aplicação na realidade fática e tem obrigado o Poder Judiciário a pronunciar-se e posicionar-se, quer seja por meio da atividade jurisdicional típica (julgamento de casos concretos) ou por meio do poder regulamentar exercido pelas corregedorias gerais de justiça.
Assim, mesmo com toda a incipiência normativa, a multipropriedade segue firme e crescente no solo brasileiro, contando com o desejo da sociedade em vivenciar essa nova modalidade de investimento imobiliário e com o auxílio do Poder Judiciário que aos poucos cria precedentes norteadores sobre como entender e aplicar o novel “instituto”.
Este conteúdo foi produzido por Paula Baraldi Artoni, advogada no estado de São Paulo, faz parte da seleção de novos colunistas para o Blog Mariana Gonçalves. Acesse o linkedin de Paula.
A seleção de novos colunistas acontece todos os anos com intuito de encontrar profissionais apaixonados pela área jurídica do mercado imobiliário.
Nos ajude a escolher os novos colunistas do blog comentando aqui abaixo o que você achou do conteúdo produzido! Contamos com a sua ajuda!
Comments