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Posso vender um imóvel com cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade?



Quando um imóvel possui cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, é possível realizar a venda, mas se o imóvel possuir cláusula de inalienabilidade, a venda somente será possível se for obtido judicialmente o prévio cancelamento.


O que é incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade?


Incomunicabilidade

A incomunicabilidade impede que o bem entre na comunhão em razão de casamento ou união estável, independentemente do regime adotado. Isso significa que o bem integrará exclusivamente o patrimônio do beneficiário, nunca o do cônjuge ou companheiro.


Impenhorabilidade

Já a impenhorabilidade impede que o bem seja penhorado por dívidas. No entanto, não impede a penhora para pagamento das dívidas do próprio imóvel, como as de IPTU, condomínio, taxas municipais e aquelas provenientes de pensão alimentícia. Essas duas exceções estão previstas nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 833 do Código de Processo Civil:


§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.


§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º.


Inalienabilidade

A inalienabilidade impede que o bem seja vendido. Ela pode ser instituída por um período determinado ou de forma permanente. No primeiro caso, é comum a previsão de que vigorará até que o beneficiário complete certa idade ou que determinada situação aconteça, como casamento ou obtenção de diploma em ensino superior. Já no segundo caso, vigorará até o fim da vida do beneficiário.


A inalienabilidade implica necessariamente a impenhorabilidade e incomunicabilidade, diferentemente do que ocorre com as outras duas cláusulas. Isso quer dizer que um imóvel pode ser gravado apenas com cláusula de incomunicabilidade, sem que isso provoque sua impenhorabilidade e inalienabilidade.


Da mesma forma, pode ser gravado apenas com cláusula de impenhorabilidade. No entanto, caso seja gravado exclusivamente com cláusula de impenhorabilidade, também será incomunicável e impenhorável, o que decorre do disposto no artigo 1.911 do Código Civil:


Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.


A incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade são conhecidas como “cláusulas restritivas”,isto é, só podem ser instituídas através de doação ou herança e deverão ser averbadas na matrícula do imóvel. No caso da doação, as cláusulas serão previstas no contrato e na escritura pública e, no caso da herança, em testamento.

É possível retirar (cancelar) essas cláusulas?


Sim. No caso da doação, o doador poderá cancelar essas cláusulas a qualquer momento, desde que haja a concordância dos donatários.


No caso da herança, como quem previu as cláusulas já faleceu, o cancelamento dependerá de um procedimento judicial, no qual o beneficiário, por meio de seu advogado, deverá explicar ao juiz por que pretende o cancelamento. Caso você esteja nessa situação, é essencial saber duas coisas:

  1. A validade das cláusulas restritivas previstas no testamento depende da justa causa.

  2. A jurisprudência não é pacífica quanto aos requisitos para o cancelamento.

O que é a “justa causa” que deve estar presente no testamento?


Apesar de ser um conceito vago e não haver parâmetro exato para determinar o que é a “justa causa”, entende-se que se trata de um motivo específico que justifique a proteção do herdeiro, como interdição, limitação física ou mental, prodigalidade ou dificuldade em administrar dinheiro, por exemplo.


A necessidade de sua previsão no testamento decorre do artigo 1.848 do Código Civil, que dispõe que:


“Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.”


A “legítima” a que o artigo se refere é a parte do patrimônio que a lei impõe que deve ser reservada aos herdeiros necessários (cônjuge ou companheiros, filhos ou ascendentes, caso a pessoa não tenha filhos), o que corresponde a 50% de todos os seus bens e valores.


A ausência de justa causa ocorrerá quando não houver nenhuma justificativa no testamento para a previsão das cláusulas restritivas ou quando a justificativa apresentada for genérica, como por exemplo, “para proteção dos herdeiros”.


Uma questão muito importante é que os testamentos celebrados até 10/01/2003, com previsão de cláusulas restritivas e sem indicação de justa causa, devem ser aditados pelo testador, sob pena do cancelamento das cláusulas. É o que prevê o artigo 2.042 do Código Civil:


Art. 2.042. Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei n o 3.071, de 1 o de janeiro de 1916 ; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição.


Esse aditamento consiste em um novo comparecimento do testador ao Cartório para indicar a justa causa. Caso isso não tenha sido feito, o beneficiário terá direito ao cancelamento, desde que faça o requerimento judicial.


Então, se você é beneficiário de um testamento lavrado até 10/01/2003, que prevê cláusulas restritivas sem indicação de justa causa, cujo testador tenha falecido depois dessa data, você terá direito ao cancelamento das cláusulas.


Como os Tribunais entendem esse tema?


É um tema polêmico e conseguir a exclusão das cláusulas pode ser difícil, pois ainda há decisões no sentido de respeito absoluto à vontade daquele que faleceu, entendendo pela impossibilidade do cancelamento. No entanto, há posição crescente no sentido de que as cláusulas restritivas não podem violar a função social da propriedade, portanto, poderão ser canceladas caso tragam prejuízos ao beneficiário. Esse é o entendimento exposto no Recurso Especial nº 1422946 / MG, julgado em 25/11/2014 pela Ministra Nancy Andrigui, do Superior Tribunal de Justiça:


2 - Necessidade de interpretação da regra do art. 1576 do CC/16 com ressalvas, devendo ser admitido o cancelamento da cláusula de inalienabilidade nas hipóteses em que a restrição, no lugar de cumprir sua função de garantia de patrimônio aos descendentes, representar lesão aos seus legítimos interesses.


Dessa forma, para que você consiga o cancelamento, é necessário comprovar seu prejuízo, como por exemplo, impossibilidade de arcar com as despesas do imóvel, alugar ou morar, em razão de sua localização, valor ou estado de conservação.

Se eu não conseguir o cancelamento da cláusula de inalienabilidade, há outra forma de vender o imóvel?


Sim, será possível requerer judicialmente a “sub-rogação de vínculo”, que é a transferência dessa cláusula para outro imóvel. De acordo com o art. 1.848, §2º do Código Civil:


“§ 2º Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.”

Existem duas formas de fazer a sub-rogação:

  1. Transferindo a cláusula do imóvel herdado para outro imóvel de propriedade do beneficiário de mesmo valor. Nesse caso, após a autorização judicial, a cláusula do imóvel herdado será cancelada e gravada no imóvel indicado.

  2. Transferindo a cláusula do imóvel herdado para outro que será adquirido com o produto da venda. Nesse caso, o imóvel será vendido e o beneficiário ficará obrigado a adquirir outro, que ficará gravado com a cláusula de inalienabilidade.



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